Gesto de manifestantes em SC é nazista, afirmam especialistas

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Gesto de manifestantes em SC é nazista, afirmam especialistas

Mesmo com possíveis 'desavisados', ritual remonta à saudação Sieg Heil

Crédito: Divulgação

Em análise pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), a saudação feita no último dia 2 por manifestantes em São Miguel do Oeste, interior de Santa Catarina, não pode ser classificada de outra forma que não nazista. Este é o posicionamento de alguns dos especialistas em extrema-direita, nazismo e fascismo, que conversaram  sobre a manifestação e seus riscos.

A justificativa usada por alguns dos manifestantes que estiveram no ato é que os braços estendidos representavam um juramento à bandeira. Para o historiador Carlos Zacarias, a explicação não corresponde com a realidade.

"Eu fiz serviço militar, fui soldado do Exército, jurei a bandeira várias vezes e nunca fiz isso", alega Zacarias, que é professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de coordenar o grupo de pesquisa "Politiza". "Eles [manifestantes bolsonaristas] têm medo das consequências", continua.

Nesta quarta-feira (16) em um sítio na cidade de São Pedro de Alcântara, também em Santa Catarina, a Policia Civil prendeu 8 pessoas suspeitas de integrar uma célula nonazista interestadual. O grupo estava reunido no local e participava de um encontro anual da célula.

Para Zacarias, a banalização do termo "fascista" pouco ajuda na identificação dos ideais e dos grupos fascistas. "Durante muito tempo as pessoas confundiram o fascismo com o xingamento. Nós, que somos estudiosos, não usamos o qualitativo de fascista para xingar uma pessoa. Nós usamos o qualitativo fascista para fazer a caracterização de um fenômeno", argumenta o historiador, que escreveu o livro "Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil: 1936-1948" (Editora EDUFBA).

"Chamamos [pessoas] de fascistas quando percebemos que há nelas atitudes que compõem uma ideologia extremista que vai se fortalecendo e passa a ser uma ameaça às outras pessoas", completa.

Há vinte anos monitorando a extrema-direita na internet, a jornalista independente e editora do El Coyote, Letícia Oliveira, aponta heterogeneidade entre pessoas que se identificam dentro deste espectro político. No entanto, como semelhança, há a aprovação aos atos que têm questionado a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva.

"Parte da extrema-direita não apoia Bolsonaro, inclusive a Nova Resistência, que é o grupo que eu monitoro. Mas durante as eleições eles [da Nova Resistência] falaram o tempo todo que Bolsonaro e Lula eram dois lados da mesma moeda e apoiaram atos bolsonaristas, dizendo que a população tem o direito de sair nas ruas para se manifestar [contra o resultado eleitoral]", conta Letícia, que reforça que, ainda que não agrade a todos no espectro político, Jair Bolsonaro (PL) exerce papel de liderança na extrema-direita brasileira por centralizar as atenções e por ter muitos apoiadores fiéis.

Um outro elemento que une a extrema-direita brasileira, de acordo com a editora do El Coyote, é o nacionalismo, que mescla regionalismo à experiências estrangeiras. "Esteticamente, [o ato em Santa Catarina no dia 2 de novembro] e por toda a questão do nacionalismo exacerbado, remete [ao nazismo], à saudação romana e aos comícios de Adolf Hitler", contextualiza.

"As vezes a pessoa está tão envolvida com essa questão de negar que o bolsonarismo é um movimento de cunho fascista, que não adianta a gente ficar tentando provar por A mais B que aquilo sim foi uma movimentação de cunho fascista", completou Letícia.

Outro especialista no tema, o doutorando em Estudos Literários na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Tavos Silva, acrescenta que a referência à saudação Sieg Heil, originada no período hitlerista da Alemanha, não pode ser questionada, mas que possivelmente os participantes do ato não calculavam a repercussão atingida. "Por ser em uma cidade do interior, muito pequena, talvez não se tivesse a noção de que alcançaria a projeção que alcançou", argumenta.

Tavos, que pesquisa literaturas contemporâneas sobre a Segunda Guerra Mundial e o nazismo, alega que é importante ir além da identificação de gestos simbólicos que remetem à extrema-direita.

"Há políticas de extrema-direita com base eugenista e fundadas no supremacismo branco. A condução da pandemia por parte do governo Bolsonaro é um exemplo paradigmático disso. Baseada em uma noção da lei do mais forte. Uma noção de que só quem não tem saúde que vai morrer, de que quem é saudável vai sobreviver", justifica.

"Não podemos identificar nazismo apenas quando aparece alguém com uma suástica tatuada ou defendendo partido nazista. Quando chega nesse ponto, é porque a gente deixou de combater muito antes", continua Tavos. O pesquisador afirma que o gesto com o braço é inconfundível, ainda que não seja possível ter precisão sobre o quanto cada pessoa tinha de dimensão do contexto histórico. "Pode ter um ou outro desavisado ali e que entra na onda. A gente não tem como saber 100% de todo mundo que está ali", completa.

Punição da Fifa por gesto

Se o episódio do ato em Santa Catarina está nas mãos do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), um caso no futebol teve investigação e punição executadas por órgãos da justiça desportiva. Em jogo decisivo pela repescagem da eliminatória para a Copa do Mundo de 2014, a Croácia venceu a Islândia por 2 a 0 e ficou com a vaga.

O jogador croata Josip Šimunić, no momento da festa no estádio, em Zagreb, pegou o microfone e puxou o grito ecoado por muitos dos torcedores, "Za dom spremni", que significa "à disposição da pátria". O grito foi usado durante a Segunda Guerra Mundial pelo movimento fascista do país, o Ustaše. Isso custou sua presença no mundial que aconteceu sete meses depois, no Brasil, ainda que ele tenha tentado recorre à própria FIFA e a corte Arbitral do Esporte .

Na ocasião da partida, em novembro de 2013, Šimunić morava há dois anos no país que escolheu defender por conta de sua ascendência, mesmo tendo nascido na Austrália.

"É difícil falar em nome de alguém, principalmente de uma pessoa que nasceu fora do país e que até então não tinha morado lá. Mas me parece que ele é uma pessoa que não tem uma visão clara sobre o significado daquelas palavras e daqueles gestos. Ele foi ingênuo ao fazer aquilo", conta o croata Josip Šutak, que mora no Brasil há 4 anos e lembra bem da situação que aconteceu com o atleta da seleção do seu país.

"A gente percebeu aquilo como um gesto de querer agradar, mas aquilo não nos agradava. Foi patético. Ele demonstrou que não conhecia a nossa cultura", relata Josip Šutak, que ainda que tenha achado que o atleta não devesse realizar a manifestação que lhe causou a punição, enxerga como possível a ressignificação de símbolos. "Infelizmente é um resquício daquela época [Segunda Guerra]. Mas então vamos abolir todas as coisas surgidas naquele tempo? Passar uma borracha? Não faz muito sentido. Por que não adotamos um significado novo e damos uma vertente positiva, já que não foi positiva [a vertente do grito] quando surgiu?", completa.

Ressignificação de símbolos

Neste fim de semana, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) começou campanha para despolitizar o uniforme da Seleção. Usadas em protestos de militantes de direita desde 2015, a camisa amarela, para o presidente da entidade, Edinaldo Rodrigues, deve servir para unir o país.

"O futebol não vive sem o torcedor. E conectar as pessoas de todas as idades, lugares, cores, raças, ideologias e religiões ao futebol é o nosso propósito", disse o dirigente.

Apelo semelhante foi feito pelo vencedor da eleição presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disse rechaçar o uso político do uniforme futebolístico.

"A gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13 [número do PT]", disse. 

A Tarde Online.

 

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Quinta, 25 Abril 2024

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