Novo Ensino Médio mobiliza debate no setor educacional baiano

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Novo Ensino Médio mobiliza debate no setor educacional baiano

Entre expectativas de adequações, programa em curso tem recebido críticas e elogios 

Crédito: Pedro Moraes/GOVBA

Criado em 2017, por meio da Lei 13.415, o "novo ensino médio" teve sua implantação iniciada antes da pandemia e segue avançando, apesar da expectativa de mudança após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O modelo tem mobilizado entidades de professores e de alunos, além de pesquisadores e especialistas em educação, em busca da sua revogação, sob alegação de prejudicar uma formação cidadã e aprofundar a desigualdade no acesso à educação.

Para o diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/Ufba), Roberto Sidnei Macedo, o novo modelo promove o "esvaziamento de um conjunto de componentes curriculares necessários para uma formação densa", ao mesmo tempo que não resolve a lacuna mais marcante do formato anterior, que não contemplava "a inserção ao mundo do trabalho, no sentido mais amplo, não de ter alguma formação específica".

Realidade na Bahia para grande parte dos estudantes das redes pública e privada, a proposta vigente de ensino médio (EM) é baseada na redução expressiva da carga horária dedicada às disciplinas mais tradicionais e na adoção dos chamados itinerários formativos. "Parte do pensamento de que o estudante vai escolher o tipo de atividade que lhe interessa", explica Macedo.

De acordo com a legislação, os conteúdos "deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino". A Lei estabelece cinco grandes campos de trabalho para que as escolas montem seus itinerários: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional.

Coordenando uma pesquisa acadêmica sobre a "constituição do sujeito-estudante no novo ensino médio", o professor Ginaldo Cardoso de Araújo, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), afirma não ter encontrado, até o momento, nenhuma vantagem neste modelo. Em sua percepção, essa proposta não vai melhorar a qualidade do EM, um dos segmentos educacionais com pior desempenho nas avaliações externas.

"Esta reforma, como está sendo colocada, contribui para uma desigualdade maior entre o aluno que está na escola pública, dos municípios menores, principalmente, com o aluno da escola particular. A maneira como está sendo implementada nos colégios é totalmente diferente de uma rede para a outra", analisa Araújo, doutor em educação, que leciona no campus da Uneb em Caetité.

Qualidade do ensino

Presidente da Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador e cursando o 3º ano no Colégio Estadual Manuel Devoto, Leonardo José está inserido no novo EM desde o primeiro ano, pois a Bahia iniciou um projeto piloto em 2021, incluindo 565 escolas.

"A gente enxerga com um processo muito ruim, de limitar o jovem, de limitar o senso crítico, de transformar o ensino em um sistema de transformar o jovem em mão de obra mais barata", avalia.

Para Leonardo, o ensino médio realmente precisa ser alterado, mas não é possível chegar a um modelo adequado sem a participação dos estudantes nessa elaboração, como ocorreu com a Lei 13.415. "A gente vê também a questão curricular dos professores que se preparam para poder estar ensinando história, para ensinar a disciplina que estudaram, e chega lá vai dar aula de projeto de vida", ressalta.

A falta de sintonia entre o EM vigente e a formação dos professores é reforçada pelo coordenador da APLB Sindicato, entidade dos professores da rede pública, Rui Oliveira.

"Foi implantado sem orientação, sem a criação das condições técnicas, pedagógicas e operacionais", afirma, destacando que isso fortalece a divisão entre "escola para pobre e escola para rico". Para ele, o modelo só é interessante para empresários da área de educação.

Rui Oliveira alerta sobre o aumento da discrepância de preparo para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) entre os egressos das redes públicas e privadas, apontando que mesmo em escolas particulares com turmas concluintes, os itinerários formativos têm contemplado as disciplinas que serão cobradas no exame. De acordo com o anunciado pelo Ministério da Educação, o novo modelo do Enem, coerente com a nova grade curricular, será iniciado em 2024.

O "novo ensino médio" também é rejeitado pela entidade representativa dos profissionais da rede particular, o Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro). "Esse modelo é um retrocesso na luta pela democratização da educação no país, que tinha avançado muito desde a lei de cotas, porque ele visa dificultar a entrada das camadas mais baixas nos cursos mais concorridos", argumenta a vice-presidente do Sinpro, Cristina Souto.

Cristina vê o modelo como precarização da educação e esvaziamento da carreira docente e critica a prioridade ao tecnicismo. "Ele reduz a carga horária das ciências humanas e ratifica o discurso de que disciplinas como história e sociologia são doutrinadoras. Não podemos falar em educação cidadã quando temos uma proposta de ensino que considera o português e a matemática como as únicas áreas realmente necessárias", comenta. 

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Quinta, 28 Março 2024

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