Torcedores ameaçam casal gay e expulsam-no de estádio corintiano
Relato de agressão homofóbica escancara insegurança estrutural nas arquibancadas brasileiras
A vitória do Corinthians sobre o Palmeiras no Dérbi da última quarta (30), que poderia ter sido apenas mais um capítulo histórico do clássico paulista, ganhou contornos de tragédia moral. Lucas Rabelo e Leonardo Maciel, torcedores do próprio clube alvinegro, foram ameaçados de morte no setor leste da Neo Química Arena por outros corintianos após serem identificados como um casal gay. O episódio, ocorrido ainda no primeiro tempo, forçou a saída do casal no intervalo e motivou o registro de boletim de ocorrência. Em plena temporada 2025, dentro de um dos estádios mais modernos do país, a experiência de torcer se converteu, para esses dois homens, em um exercício de sobrevivência.
A sensação de pertencimento que o futebol costuma fomentar foi pervertida ali por um código de conduta subterrâneo, cada vez mais evidente em setores da arquibancada. Não se tratou de uma reação isolada ou mal-entendido pontual — foi uma manifestação consciente de ódio, enraizada em discursos que ainda se reproduzem impunemente nos estádios brasileiros. A argumentação dos agressores é reveladora: a presença do casal "não era apropriada" para o ambiente. Uma ideia que remete à noção ultrapassada de que futebol, masculinidade e heteronormatividade caminham juntas — conceito que, convenhamos, deveria ter ficado enterrado com a chuteira preta de trava longa.
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As consequências desse tipo de violência não se esgotam no trauma pessoal das vítimas. Elas afetam diretamente o projeto de democratização do espetáculo esportivo. Quando dois torcedores são expulsos por serem quem são, o que está em jogo é o acesso pleno à cidadania no esporte. O Corinthians, por sua vez, agiu com prontidão ao oferecer apoio e abrir canais de apuração. Mas a resposta institucional precisa ir além da simbologia. O clube dispõe de biometria facial, câmeras de alta resolução e controle de assentos. Se não conseguir identificar os agressores com essas ferramentas, restará a sensação de que os instrumentos de controle servem apenas à vigilância técnica, não à proteção ética do torcedor.
Não basta à imprensa esportiva noticiar: é preciso nomear, com todas as letras, o que aconteceu — um caso de homofobia em um templo do futebol. O silêncio de parte das arquibancadas, aliás, pesa tanto quanto as ameaças proferidas. O torcedor que assiste a um ato de violência e se omite torna-se cúmplice por inércia. O futebol brasileiro, tão combativo no campo, segue covarde fora dele. E se clubes, federações e organizadas não assumirem o enfrentamento direto ao preconceito, corremos o risco de aceitar que, nos estádios, haja espaço para tudo — menos para o amor. Porque, como se diz lá na Bahia, onde tem medo, não tem festa.
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