Atlético-GO: um líder solitário na elite do futebol brasileiro

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Atlético-GO: um líder solitário na elite do futebol brasileiro

A luta por representatividade e oportunidades no futebol nacional

Crédito: Reprodução / X @DiarioGols

A ascensão do Atlético-GO à Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro não foi apenas marcada por resultados em campo, mas também pela notável reconstrução liderada por Jair Ventura. 

Assumindo o comando no segundo turno, Ventura orquestrou uma impressionante reviravolta que levou o Dragão da 11ª posição, com 27 pontos, para o quarto lugar, somando 64 pontos ao final da temporada. Contudo, essa conquista carrega uma dimensão única: Jair Ventura é o único técnico negro entre as Séries A e B do Brasileirão.

Roger Machado: um discurso histórico pela representatividade

A falta de representatividade negra no futebol não é novidade. Em 2019, enquanto treinava o Bahia, Roger Machado fez um discurso histórico após um confronto contra o Fluminense, então liderado por Marcão. Na época, ambos eram os únicos técnicos negros na elite do futebol brasileiro.

"A minha posição que eu ocupo hoje como negro na elite do futebol é para confirmar isso. Maior preconceito que eu senti não foi de injúria. Sinto que é preconceito quando vou no restaurante e só tem eu de negro. Essa é a maior prova disso", lamentou Roger na ocasião.

O cenário atual: reflexo de uma sociedade que precisa mudar

Na atualidade, a falta de representatividade se estende para além da área técnica. Dos 40 clubes nas Séries A e B do Brasileirão, apenas dois possuem presidentes negros: Ronaldo, da SAF do Cruzeiro, e Genilson da Rocha Santos, do Novorizontino. Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial, destaca que é crucial discutir o racismo para além das quatro linhas.

"Se a gente olhar o cenário do futebol brasileiro hoje, a gestão desse futebol está presa a homens brancos. É difícil encontrar presidentes negros, gestores negros e até mesmo treinadores negros. O homem e a mulher negra ainda estão restritos às quatro linhas, a uma área que usa o corpo e a habilidade para usar o futebol. A gente precisa começar a discutir o racismo para além das quatro linhas, onde estão os homens e mulheres negras no futebol brasileiro."

A incomoda ausência de lideranças negras: um olhar dos jogadores

A falta de representatividade em cargos de chefia no futebol incomoda alguns atletas, que acreditam que líderes negros poderiam combater a discriminação de maneira mais efetiva. Uma pesquisa do Observatório da Discriminação Racial revelou que 41% dos jogadores brasileiros afirmaram já ter sofrido racismo.

Rafael Ratão, atacante do Bahia, expressa: "Ia ajudar muito, né? Quando você tem um líder da mesma cor, acho que incentiva, dá uma força para a gente. Ia ser uma grande diferença, ia ajudar muito. Não entendo por que o pessoal vê problema nisso!"

Matheus Trindade, volante campeão com o Vitória na última Série B, acrescenta: "É sempre importante ver negros em todas as áreas, todos os ambientes. É importante para a gente, por conta da representatividade. É importante e, de fato, somaria."

Movimento de equidade racial no futebol: mover para mudar

Diante desse cenário, em novembro, na Bahia, realizou-se o primeiro encontro do Movimento de Equidade Racial no Futebol (Mover). Criado com o objetivo de promover qualificação, desenvolvimento e construir oportunidades para profissionais negros no esporte, o Mover busca quebrar barreiras e gerar mudanças significativas.

Cleiton Carvalho, vice-presidente do Mover, destaca: "Nosso principal objetivo com o Mover é, primeiro, capacitar os profissionais pretos, trazer o empoderamento para esses profissionais e mostrar para o mercado que nós temos profissionais que podem assumir posições de gestão e liderança no futebol hoje."

O Mover estabeleceu parcerias com empresas, clubes, agentes e federações, buscando criar oportunidades reais para profissionais negros no mercado do futebol.

Refletindo os problemas do país: desafios da sociedade negra no Brasil

O futebol, como parte integrante da sociedade, reflete os desafios enfrentados pela população negra no Brasil. A falta de representação em cargos de chefia é uma realidade também no mercado de trabalho em geral.

Ana Georgina, supervisora técnica regional no Dieese, explica que a pandemia pode ter piorado essa realidade, tornando a reinserção da população negra no mercado de trabalho mais lenta.

"Isso pode ser explicado pela questão pandêmica. Tivemos diversas empresas que fecharam as portas, reduziu quadros, então afetou muito. Mas, mesmo assim, impacta muito mais negros do que não negros. Em momentos de crise, a população negra é aquela que é a primeira a perder o trabalho. E quando essa crise começa a melhorar, somos os últimos a conseguir nos reinserir. E, geralmente, a gente tem dificuldade de se reinserir na mesma posição em que estávamos antes. Isso explica por que para a população negra essa reinserção é mais difícil."

A pesquisa evidencia que o número de pessoas negras ocupando cargos de diretoria e gerência caiu 57%. Para a população negra, a reinserção é mais desafiadora, revelando a persistência das desigualdades.

O futebol, ao refletir essas questões sociais, também enfrenta o desafio de proporcionar oportunidades e representatividade para a população negra em todos os níveis. O Movimento de Equidade Racial no Futebol (Mover) emerge como uma iniciativa fundamental nessa jornada, buscando transformar o cenário e criar um futuro mais inclusivo e igualitário para o esporte nacional. 

 

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Sábado, 27 Abril 2024

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