Governo Tarcísio de Freitas abandona estudo que avalia uso de câmeras pela PM

PolíticaSão Paulo

Governo Tarcísio de Freitas abandona estudo que avalia uso de câmeras pela PM

Primeira edição do trabalho apontava melhora no desempenho dos batalhões que usam equipamento

Crédito: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) descontinuou um estudo científico que tinha avaliado o impacto das câmeras corporais no comportamento de policiais militares em São Paulo. A primeira edição do trabalho, feito no ano passado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) a pedido do governo paulista, apontava melhora no desempenho dos batalhões que usam o equipamento.

No início deste ano, após a transição do governo Rodrigo Garcia (PSDB) para o de Tarcísio, pesquisadores negociavam uma continuação da análise. A ideia foi recusada pela nova gestão do estado. Com isso, o maior programa de câmeras portáteis em atividades policiais do país ficou sem uma avaliação externa sobre sua efetividade.

Ao mesmo tempo, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) firmou um convênio com a FGV e com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para pesquisar o uso de tecnologia na área de segurança, mas a análise das câmeras corporais ficou de fora.

Questionada, a Polícia Militar paulista disse que o estudo publicado no ano passado teve seu objetivo concluído e que não havia previsão de continuidade.

Em resposta a um pedido de informação, feito via LAI (Lei de Acesso à Informação), a PM também afirmou que "tem realizado estudos de viabilidade para a expansão do programa para outras regiões do estado, como o litoral e o interior, bem como a implementação de melhorias no sistema", mas não respondeu se há prazo para a conclusão desses estudos pela corporação.

A primeira versão da pesquisa analisou a performance dos batalhões da PM de junho de 2021 até julho do ano passado.

A intenção era que a segunda fase examinasse dados de pelo menos mais um ano.

Segundo duas pessoas que participaram de reuniões entre o comando da PM e os pesquisadores, o desinteresse na segunda fase do estudo não foi explicado de forma clara. O governo estadual levantou a possibilidade, por outro lado, da participação da FGV em pesquisas do governo sobre a cracolândia, no centro da capital –a Folha de S. Paulo mostrou que a gestão Tarcísio iniciou uma espécie de censo dos frequentadores da região.

A primeira fase da pesquisa sobre as câmeras corporais mostrou não só uma redução das mortes, mas um aumento na produtividade. Houve aumento de 102% nos registros dos casos de violência doméstica e de 24% nas apreensões de armas de fogo pelos policiais que usavam o equipamento, por exemplo.

Para medir o impacto no trabalho policial, os pesquisadores compararam o desempenho de batalhões com e sem câmeras, em regiões que têm índices de criminalidade compatíveis. O estudo mostrou que não houve um aumento significativo no número de flagrantes. O efeito mais evidente ocorreu no registro de crimes subnotificados –casos de violência doméstica, por exemplo, com frequência são resolvidos no local sem gerar o registro de uma ocorrência.

No ano passado, as mortes de policiais em serviço caíram ao nível mais baixo já registrado, um fenômeno que também coincidiu com a adoção das câmeras corporais.

Já a redução de mortes de pessoas em intervenções policiais, no período da pesquisa, foi de 57%. Junho de 2021, quando a pesquisa teve início, foi o primeiro mês em que nenhuma morte em confrontos com a polícia foi registrada nos 18 batalhões que usavam o equipamento.

O relatório do estudo ressalta que o programa da PM paulista "é uma das maiores iniciativas de uso de câmeras no mundo, uma vez que se trata da maior força policial brasileira e pressupõe o uso de câmeras durante todo o turno por todos os policiais". Os resultados indicam que a tecnologia "cumpriu um papel fundamental na redução do uso excessivo da força", diz o texto.

Para realizar o estudo nos mesmos moldes, seria necessário ter acesso a dados que a polícia não divulga, como as áreas patrulhadas por companhias da PM que usam câmeras e os boletins de ocorrências feitos pelos policiais durante o expediente. Pesquisadores argumentaram que a continuação da pesquisa provavelmente seria positiva para o governo, uma vez que a primeira edição já havia demonstrado melhora nos índices.

A PM diz que, entre as novas funcionalidades das câmeras em estudo, estão "a comunicação bidirecional entre câmera e a Central de Comando, a leitura de placas e a priorização de transmissão de dados em locais de grande concentração".

Já o novo convênio com FGV e Fapesp vai contemplar desenvolvimento de ferramentas de análise de grandes conjuntos de dados (big data analytics) e de inteligência artificial para apoiar decisões de combate e prevenção de crimes. Na apresentação do grupo de estudos, a FGV também fala em "ferramentas de avaliação de políticas de segurança pública", mas não menciona quais políticas seriam avaliadas.

A gestão Tarcísio tem sido criticada pela falta do uso das câmeras, principalmente durante a Operação Escudo na Baixada Santista. Maior ação policial deste ano, a Escudo teve diversas denúncias de execuções, ameaças e casos de tortura.

Segundo o Ministério Público de São Paulo, imagens de câmeras corporais de policiais militares enviadas pela PM mostram registros de confrontos com criminosos em apenas 3 dos 16 casos iniciais em que houve mortes na Operação Escudo, na Baixada Santista. A Promotoria não respondeu se as mortes que ocorreram depois foram gravadas por câmeras nas fardas.

O número de mortes pela PM voltou a crescer neste ano. Na região de Santos, Guarujá e São Vicente, os meses de julho e agosto já superam todas as mortes em intervenções policiais no ano passado.

Recentemente, a PM paulista alocou cerca de 400 câmeras de outras unidades para o policiamento de trânsito na cidade de São Paulo. Isso ocorreu sem que a corporação comprasse novas câmeras, ou seja, os equipamentos poderiam ser utilizados em batalhões de ações especiais, que se envolvem na maior parte dos confrontos da operação.

Sobre o aumento das mortes, a SSP afirma que "investe permanentemente no treinamento das forças de segurança e em políticas públicas" para reduzi-las. Diz ainda que a causa das mortes decorrentes de intervenção policial não é a atuação dos agentes, "mas sim a ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação".

Sobre as denúncias de excessos na Operação Escudo, a pasta tem afirmado que "todos os casos são investigados minuciosamente pela Deic de Santos e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar". Além disso, afirma que policiais civis e técnico-científicos foram mobilizados para dar apoio às investigações. "Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário." 

 

Comentários:

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Já Registrado? Acesse sua conta
Visitante
Sábado, 12 Outubro 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.jornalfolhadoestado.com/