Mãe de Hang recebeu 'kit Covid' e prontuário indica fraude em atestado de óbito

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Mãe de Hang recebeu 'kit Covid' e prontuário indica fraude em atestado de óbito

Hang levou sua mãe, de Santa Catarina para São Paulo, justamente para que ela fosse tratada com o "kit Covid" 

Crédito: Divulgação

Aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, os documentos apurados pelos parlamentares e o depoimento de Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo do plano de saúde Prevent Senior, mostraram fortes indícios de que a operadora está diretamente ligada ao gabinete paralelo, à promoção do tratamento precoce e à ocultação de mortes por covid-19.

Ocultação da causa das mortes

Uma mensagem em um grupo de coordenadores da empresa, exibida durante a sessão, determinou que após 14 dias, para os pacientes enfermaria e apartamento, e 21 dias, para pacientes com passagem em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), o código da doença deveria ser alterado para qualquer outro que não fosse o da covid-19.

Para os senadores, isso indica que dentro dos hospitais da Prevent Senior morreram por covid-19, mas tiveram a causa do óbito ocultada.

"Modificar o código de uma doença é crime", afirmou o senador Otto Alencar (PSD/BA). Na mesma linha, Humberto Costa (PT-PE) explicou que os funcionários da Prevent Senior "consideram que depois de 14 ou 21 dias, os pacientes não têm mais covid, mas essas pessoas morreram por complicações de covid. É uma fraude".

Segundo o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), informações recebidas pela CPI mostram que no atestado de óbito de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, apoiador do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, não consta a covid-19 como causa da morte.

Em um dossiê elaborado por 15 médicos que trabalharam na Prevent Senior entregue à CPI da Covid, os profissionais registraram que a declaração de óbito da mãe do bolsonarista foi fraudada.

A mãe do bolsonarista, conforme consta no dossiê, foi internada em 31 de dezembro e morreu em 3 de fevereiro. Nesse período, Hang recebeu medicamentos do tratamento precoce, como hidroxicloroquina, azitromicina, colchicina e ivermectina.

Em um vídeo publicado no dia 5 de fevereiro, no entanto, Luciano Hang afirmou que nunca deu nenhum desses remédios para a mãe e se questionou: "será que se eu tivesse feito o tratamento preventivo, eu não teria salvado a minha mãe?".

Segundo os médicos que elaboraram o dossiê, "o prontuário médico da sra. Regina Hang prova que ela utilizou o kit antes de ser internada e que repetiu o tratamento durante a internação, assim como registram que seu filho, sr. Luciano Hang, tinha ciência dos fatos".

"Como outros tantos casos de óbitos na rede Prevent Senior decorrentes da covid-19 que não foram devidamente informadas às autoridades, a declaração de óbito da sra. Regina Hang foi fraudada ao omitir o real motivo do falecimento", diz o documento.

O mesmo ocorreu com o médico Anthony Wong, defensor do tratamento precoce, que foi um dos participantes do estudo observacional da empresa. Segundo uma reportagem da Revista Piauí, o atestado de óbito de Wong omitiu os dados da internação, bem como a causa da morte.

Segundo a empresa, Wong veio a óbito após uma parada cardiorrespiratória, depois de ser internado com úlcera gástrica. A reportagem da Piauí mostra, porém, que o médico deu entrada na internação com sintomas de covid-19.

Ele também havia autorizado o tratamento com o kit covid dentro hospital Sancta Maggiore, pertencente ao grupo Prevent Senior. Sem melhora, foi intubado em novembro, sob responsabilidade da médica Nise Yamaguchi.

Tratamento precoce

A Prevent Senior também é responsável por produzir um estudo observacional da aplicação de remédios do tratamento precoce em 636 pacientes, como informou o próprio diretor-executivo da empresa, durante a sessão da CPI.

"Cada uma das prescrições foi feita por médicos em conversa com os pacientes", afirmou Júnior, que defendeu a autonomia dos médicos.

"A autonomia do médico deve ser preservada para que possa indicar aos pacientes a melhor medicação."

Uma reportagem da GloboNews, entretanto, mostrou uma rotina de pressão sob os médicos para a prescrição de determinados medicamentos do tratamento precoce: cloroquina, azitromicina, ivermectina e a flutamida, este último normalmente indicado somente em casos de câncer de próstata.

"Eu deixei de prescrever por um único dia acreditando nisso [autonomia] e acabei sendo chamado à diretoria com orientações bem claras de que eu deveria prescrever a medicação e o que ficava implícito era que, se não prescrevesse a medicação, você estaria fora do hospital. Voltei a prescrever a medicação por ter sido obrigado a prescrever. A autonomia, na verdade, é zero, você não tem escolha de deixar de prescrever. Se você não prescreve, você vai ser demitido", afirmou um dos médicos ao veículo.

Documentos enviados pela Prevent Senior à CPI mostram que uma das principais farmacêuticas fornecedoras dos medicamentos do kit covid é a Vitamed. A empresa é a mesma que financiou a publicação em jornais e revistas de um manifesto pró-tratamento precoce do grupo "Médicos pela Vida", apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O executivo da farmacêutica Vitamed, Jailton Batista, confirmou à CPI que a empresa financiou o manifesto, com R$ 717 mil.

"A Vitamed foi solicitada a dar apoio e suporte à chamada associação 'Médicos pela Vida' no patrocínio de um documento técnico, médico, e ela o fez. (...) Foi apenas a publicação nos jornais de um manifesto da associação, em que a empresa assumiu o custo da veiculação."

Proximidade com o governo federal

O estudo observacional da Prevent Senior foi utilizado pelo Ministério da Saúde, que incorporou os relatórios da empresa em seus próprios protocolos. O diretor da Prevent afirmou à CPI que a empresa em si não desenvolveu qualquer protocolo.

Para Aziz, "a Prevent Senior foi usada em propaganda negacionista", mas nunca desmentiu sua participação.

"Quando se fala uma coisa, a primeira coisa que vocês deveriam ter feito naquele momento é desmentido, falado que não tinha protocolo. Mas para vocês era muito bom ter uma propaganda feita pela maior autoridade do país. Ele [Bolsonaro] diz que eles [Prevent Senior] tinham um protocolo."

Os primeiros resultados da pesquisa foram divulgados pela Prevent Senior em 15 de abril de 2020. Três dias depois, em sua conta pessoal no Twitter, Bolsonaro divulgou o estudo feito pelo plano de saúde.

"De um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 não fizeram uso da hidroxicloroquina. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem intubados, o número de óbitos foi zero. O estudo completo será publicado em breve", disse o presidente.

A promoção do tratamento precoce, a proximidade com o governo federal e a presença de figuras como a médica Nise Yamaguchi na empresa mostram indícios de que a Prevent Senior fez parte do gabinete paralelo.

O grupo seria formado por figuras de fora do governo federal que aconselhariam o presidente acerca do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como hidroxicloroquina e cloroquina.

À CPI, o diretor do Prevent Senior afirmou que Nise Yamaguchi, defensora do tratamento precoce e do governo federal, visitava os pacientes com covid-19.

Também na CPI, Júnior afirmou que a empresa sofre com "acusações infundadas". 

Resposta de Luciano Hang

Nota à imprensa

Qual é o limite para a maldade humana, para a falta de caráter, de escrúpulos? Quando não têm argumentos, partem para o ataque da honra, da família e da própria mãe. Não vou aceitar tanta canalhice quieto.

Fiz tudo o que podia pelos meus pais a vida inteira. O que construí foi para dar a eles uma vida melhor e mais justa. Dois trabalhadores de chão de fábrica, pessoas honestas e maravilhosas, que eu tanto amei. Fomos muito felizes juntos e agradeço imensamente a Deus por ter compartilhado meus dias com eles.

Como qualquer filho, quando minha mãe ficou doente, eu fui para a guerra com todas as armas que eu tinha. É esse o meu crime? Minha mãe tinha 82 anos, fazia parte do grupo de risco, ficava em casa e mesmo assim pegou a doença. Ela era cardíaca, tinha diabetes, insuficiência renal, sobrepeso e outras comorbidades. Tomava dezenas de medicamentos diariamente, por isso não fizemos tratamento preventivo, aquele realizado antes de contrair o vírus.

Quando os sintomas apareceram levamos para São Paulo e a doença evoluiu rápido. Lutamos com ela por mais de um mês, nesse tempo o Covid passou, mas ficaram as complicações por conta das comorbidades e, por isso, infelizmente ela se foi.

Tenho total confiança nos procedimentos adotados pelo Prevent Senior e que tudo que era possível foi feito. Deixei claro a causa do falecimento de minha mãe em várias manifestações públicas e nas redes sociais, nunca foi segredo.

Lamento que um assunto tão delicado seja usado como artifício político para me atingir, pelo simples fato de eu não concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI. Medem os outros pela própria régua. Só quem perde uma mãe sabe a dor que é.

Luciano Hang

 

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Segunda, 20 Mai 2024

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