Torcida nordestina resiste à lógica do mercado, mas cede espaço simbólico

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Torcida nordestina resiste à lógica do mercado, mas cede espaço simbólico

Pesquisa aponta 39% de preferência local e domínio do Flamengo na região 

📷 Reprodução: X (Twitter) - geglobo

No futebol brasileiro de 2025, torcer também virou estatística. Segundo levantamento O GLOBO/Ipsos-Ipec, 61% dos nordestinos declaram apoio a clubes de fora da região — com o Flamengo, isolado, ocupando 25% das preferências. O dado, embora esperado, reforça a erosão simbólica dos clubes locais no imaginário popular. Bahia, Sport, Fortaleza e outros mantêm relevância pontual, mas perdem força frente à penetração midiática e comercial dos eixos Rio-São Paulo. Ainda assim, 39% seguem fiéis a escudos da própria terra, índice que revela resistência cultural num cenário de centralização progressiva.

Não se trata apenas de torcida — trata-se de pertencimento. A escolha de um clube é, para muitos, a primeira expressão política do sujeito. O problema é que, quando a TV, o marketing e os algoritmos falam mais alto que o sotaque das arquibancadas, o vínculo afetivo se dilui. A chamada "dupla cidadania clubística" é, nesse sentido, sintoma e defesa. O nordestino que torce para o Flamengo e para o Bahia tenta equilibrar identidade e espetáculo. Mas esse equilíbrio é frágil: na prática, o clube local vira coadjuvante. A pulverização das torcidas nordestinas — nenhuma delas com mais de 7,5% de adesão — evidencia um enfraquecimento que ultrapassa o campo.

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O impacto vai além da paixão. Sem massa crítica consistente, os clubes regionais enfrentam mais dificuldade para atrair patrocinadores, negociar direitos e manter talentos. O mercado trata torcida como ativo — e ativos dispersos rendem menos. Enquanto o Flamengo aumenta presença em transmissões e licenciamentos, Vitória e Ceará lutam para manter o básico. A médio prazo, o risco é a desconexão geracional: o menino de Juazeiro que vê todo domingo o Corinthians na TV dificilmente escolherá o Juazeirense. O que está em jogo é a sobrevivência simbólica e econômica de um ecossistema futebolístico plural.

Não há solução simples. É preciso disputar narrativa, tempo de tela e calendário. Clubes e federações do Nordeste devem compreender que não basta apenas ganhar clássicos regionais — é preciso ocupar os espaços de visibilidade e reafirmar pertencimento. Porque, como dizia um radialista velho amigo de microfone em Feira de Santana: "se a gente não grita nosso nome no campo, ninguém chama na arquibancada". O desafio é manter viva a voz própria em um país que insiste em falar só do que vem de cima. 

 

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Quarta, 30 Julho 2025

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